20/10/2021.
Após quase seis meses de trabalho, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) apresentou oficialmente, nesta quarta-feira (20), seu relatório à CPI da Pandemia. Numa reunião que começou tumultuada, o senador leu apenas uma pequena parte das 1.180 páginas do documento, que agora ficará disponível por uma semana aos demais integrantes do colegiado.
Renan disse que está disposto a receber sugestões para “alterar e melhorar” o texto até a votação — que será nominal e ostensiva — prevista para a próxima terça-feira (26). Na mesma data também serão apresentados votos em separados de outros parlamentares.
O relator identificou 29 tipos penais e sugeriu o indiciamento de 66 pessoas, incluindo deputados, empresários, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e o atual titular da pasta, Marcelo Queiroga. Foram apontados ainda crimes cometidos por duas empresas: a Precisa Medicamentos e a VTCLog.
Renan não poupou o presidente Jair Bolsonaro, que foi acusado formalmente de ter cometido nove crimes: prevaricação; charlatanismo; epidemia com resultado morte; infração a medidas sanitárias preventivas; emprego irregular de verba pública; incitação ao crime; falsificação de documentos particulares; crime de responsabilidade e crimes contra a humanidade.
Na véspera da apresentação do texto, foram retiradas as acusações relativas aos crimes de homicídio qualificado e genocídio contra indígenas. As propostas não receberam apoio de outros integrantes do comando da comissão e havia dúvidas quanto à caracterização das condutas.
Três filhos do presidente também constam no relatório: o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), todos são alvos de pedido de indiciamento por incitação ao crime.
— Essa comissão colheu elementos de prova que demonstraram sobejamente que o governo federal foi omisso e optou por agir de forma não técnica e desidiosa no enfrentamento da pandemia, expondo deliberadamente a população a risco concreto de infecção em massa. Comprovaram-se a existência de um gabinete paralelo, a intenção de imunizar a população por meio da contaminação natural, a priorização de um tratamento precoce sem amparo científico, o desestímulo ao uso de medidas não farmacológicas. Paralelamente, houve deliberado atraso na aquisição de imunizantes, em evidente descaso com a vida das pessoas — acusou Renan.
Defesa
Na reunião desta quarta-feira, novamente senadores governistas alegaram que a CPI focou apenas o governo federal, com o objetivo de desgastar o presidente Bolsonaro. Eduardo Girão (Podemos-CE), que se declara independente, disse que a comissão fechou os olhos à atuação de governos estaduais e prefeituras e virou instrumento de perseguição política. Ele pretende apresentar um voto à parte.
Antes da leitura do relatório, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), teve a oportunidade de apresentar uma defesa do governo federal por pouco mais de 20 minutos.
O senador fez críticas ao trabalho da comissão, que, segundo ele, agiu de forma política na tentativa de incriminar o presidente da República; enumerou as medidas adotadas para salvaguardar os serviços públicos e a população durante a pandemia e lembrou que o Brasil já tem hoje 151 milhões de pessoas vacinadas com a primeira dose, estando à frente, em termos percentuais, de países como Estados Unidos, Alemanha, México, Índia, África do Sul e Rússia.
— Um ato político não pode ensejar a criminalização de um presidente de um país com mais de 200 milhões de habitantes. O direito não pode ser utilizado como instrumento de política. Ou se faz um relatório final técnico ou se elabora uma opinião comprometida politicamente. Não há como mesclar as duas coisas, ou seja, aparência de tecnicidade em um relatório ideológico. Impõe-se foco técnico e ausência de viés político e atuação dentro dos limites constitucionais — disse.
Apresentação de destaques
A reunião foi aberta com a apresentação de questões de ordem dos senadores sobre a organização dos trabalhos da comissão na leitura e votação do relatório. Um dos pontos debatidos foi o direito ao pedido de destaques, para votação em separado, conforme reivindicado pelo senador Marcos Rogério (DEM-RO).
O presidente Omar Aziz (PSD-AM) alegou não haver norma regimental e nem precedente em outras CPIs sobre o assunto e que não seria cabível pedido de destaque. O posicionamento recebeu o apoio de oposicionistas.
— Não se trata de uma proposição legislativa. É uma investigação e, por isso, não cabe destaque. Não se tem como mitigar o que foi encontrado pelo relator após a investigação ou melhorar um dado da realidade. Portanto não cabe destaque — avaliou Rogério Carvalho (PT-SE).
Marcos Rogério reclamou ainda do pouco tempo dado pela presidência para leitura dos votos em separado, na próxima reunião, e disse que 20 minutos não seriam o bastante para a apresentação dos textos.
Indiciamento do presidente
O representante de Rondônia também apresentou outra questão de ordem, alegando que o relatório final não poderia propor o indiciamento do presidente da República por cometimento de ilícito penal. Segundo ele, o chefe do Executivo tem um conjunto de prerrogativas de índole processual a fim de lhe assegurar o livre exercício do mandato conferido pela maioria dos eleitores. Conforme Marcos Rogério, “por conta do exercício do cargo, a situação do residente da República é sui generis, sendo diversa da situação de qualquer outra autoridade constituída”.
A questão de ordem foi indeferida pelo presidente Omar Aziz, que alegou que o Senado tem competência para julgar crime de responsabilidade do presidente e seria um contrassenso se não pudesse investigá-lo no âmbito de uma CPI. Ainda segundo ele, cabe ao Parlamento a fiscalização dos atos do Poder Executivo, em especial do chefe do Poder Executivo.
— Embora o presidente não tenha prestado depoimento ao colegiado, as imputações que lhe são feitas resultam do vasto arcabouço de documentos recebidos pela comissão, dos depoimentos colhidos, bem como do acervo de declarações públicas, gravações e postagens em redes sociais colhidas ao longo desses meses. Nenhum cidadão está acima da lei, isso vale inclusive para o presidente Jair Messias Bolsonaro! — sentenciou, irritado, Omar Aziz.
Amazonas
Já o senador Eduardo Braga (MDB-AM) considerou inaceitável que o relatório final não peça a punição de nenhum dos responsáveis pelo caos vivido no Amazonas durante a pandemia.
Para ele, não há dúvida de que houve uma série de crimes e há criminosos que agora precisam ser punidos. O parlamentar apresentou um adendo ao voto de Renan Calheiros, exigindo a punição dos responsáveis, inclusive do governador Wilson Lima.
— Nosso estado foi transformado em um verdadeiro campo de testes, com experimentos, com remédios ineficazes; falta de oxigênio, de leitos de internação e até de covas para enterrar os nossos conterrâneos. Nenhum estado sofreu tanto quanto o Amazonas. Não há nenhuma dúvida de que houve uma série de crimes e de criminosos que precisam ser punidos. Por isso, o Amazonas continua se sentindo injustiçado — afirmou Braga, que apresentou um adendo ao voto do relator sobre o tema.
Os senadores Izalci Lucas (PSDB-DF) e Soraya Thronicke (PSL-MS) também apresentaram a Renan Calheiros uma complementação de voto tratando especificamente da situação de seus estados: Distrito Federal e Mato Grosso do Sul.
Propostas legislativas
O vice-presidente Randolfe Rodrigues (Rede-AP) comunicou que, ao longo do funcionamento da comissão de inquérito, o Portal e-Cidadania, do Senado, recebeu de cidadãos, desde março de 2020, centenas de ideias legislativas relacionadas à CPI e ao drama da pandemia de covid-19.
Segundo ele, as propostas vão ser encaminhadas ao relator Renan Calheiros (MDB-AL), que ainda terá tempo para acrescentar em seu voto final as propostas consideradas mais relevantes e pertinentes. O senador disse que até o dia 26 de outubro estará à disposição para aperfeiçoar seu texto.
Antes de encerrar a reunião, o presidente Omar Aziz comentou a notícia de que Jair Bolsonaro teria “dado gargalhada” quando foi informado do conteúdo do relatório de Renan Calheiros e mandou um recado ao presidente:
— O país precisa de afeto, e as imputações ao senhor e ao seu governo são sérias. Não creio que seja uma risada de alívio; pelo contrário é de temor — afirmou.
INDICIADOS NO RELATÓRIO DA CPI DA PANDEMIA |
Presidente da República, Jair Bolsonaro
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Ex-Ministro da Saúde Eduardo Pazuello
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Ministro da Saúde, Marcelo Queiroga
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Ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República e ex-ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni
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Ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo
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Ministro-chefe da Controladoria-Geral da União, Wagner Rosário
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Ministro da Defesa e ex-ministro-chefe da Casa Civil, Braga Netto
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Ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde Elcio Franco
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Deputado Ricardo Barros (PP‑PR)
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Senador Flávio Bolsonaro (Patriota‑RJ)
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Deputado Eduardo Bolsonaro (PSL‑SP)
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Deputada Bia Kicis (PSL ‑DF)
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Deputada Carla Zambelli (PSL‑SP)
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Vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos‑RJ)
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Deputado Osmar Terra (MDB‑RS)
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Deputado Carlos Jordy (PSL‑RJ)
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Político suspeito de disseminar fake news Roberto Jefferson
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Ex-chefe da Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) do governo federal Fábio Wajngarten
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Assessor Especial para Assuntos Internacionais do Presidente da República Filipe G. Martins
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Médica participante do ‘gabinete paralelo’ Nise Yamaguchi
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Ex-assessor da Presidência da República e participante do ‘gabinete paralelo’ Arthur Weintraub
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Empresário e e participante do ‘gabinete paralelo’ Carlos Wizard
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Empresário suspeito de disseminar fake news Luciano Hang
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Empresário suspeito de disseminar fake news Otávio Fakhoury
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Diretor-executivo da Prevent Senior, Pedro Benedito Batista Júnior
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Biólogo e participante do ‘gabinete paralelo’ Paolo Zanotto
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Médico e e participante do ‘gabinete paralelo’ Luciano Dias Azevedo
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Presidente do Conselho Federal de Medicina, Mauro Ribeiro
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Blogueiro suspeito de disseminar fake news Allan Lopes dos Santos
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Secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Mayra Pinheiro
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Ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde Roberto Dias
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Representante da Davati no Brasil Cristiano Carvalho
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Representante da Davati no Brasil Luiz Paulo Dominguetti
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Sócio da empresa Precisa Francisco Emerson Maximiano
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Sócio da empresa Primarcial Holding e Participações Ltda e diretor de relações institucionais da Precisa, Danilo Trento
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Advogado e sócio oculto da empresa FIB Bank Marcos Tolentino da Silva
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Intermediador nas tratativas da Davati Rafael Alves
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Intermediador nas tratativas da Davati José Odilon Torres da Silveira Júnior
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Ex-assessor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde e intermediador nas tratativas da Davati Marcelo Blanco
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Diretora-Executiva e responsável técnica farmacêutica da empresa Precisa, Emanuela Medrades
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Consultor jurídico da empresa Precisa, Túlio Silveira
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Ex-assessor especial do Ministério da Saúde Airton Soligo
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Editor do site bolsonarista Crítica Nacional suspeito de disseminar fake news Paulo de Oliveira Eneas
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Diretor do jornal Brasil Sem Medo, suspeito de disseminar fake news, Bernardo Kuster
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Blogueiro suspeito de disseminar fake news Oswaldo Eustáquio
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Artista gráfico supeito de disseminar fake news Richards Pozzer
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Jornalista suspeito de disseminar fake news Leandro Ruschel
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Assessor Especial da Presidência da República Técio Arnaud
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Ex-presidente da Fundação Alexandre Gusmão (Funag) Roberto Goidanich
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Sócio da empresa VTCLog Raimundo Nonato Brasil
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Diretora-executiva da empresa VTCLog Andreia da Silva Lima
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Sócio da empresa VTCLog Carlos Alberto de Sá
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Sócia da empresa VTCLog Teresa Cristina Reis de Sá
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Ex-secretário da Anvisa José Ricardo Santana
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Lobista Marconny Albernaz de Faria
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Médica da Prevent Senior Daniella Moreira da Silva
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Médica da Prevent Senior Paola Werneck
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Médica da Prevent Senior Carla Guerra
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Médico da Prevent Senior Rodrigo Esper
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Médico da Prevent Senior Fernando Oikawa
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Médico da Prevent Senior Daniel Garrido Baena
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Médico da Prevent Senior João Paulo F. Barros
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Médica da Prevent Senior Fernanda de Oliveira Igarashi
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Sócio da Prevent Senior Fernando Parrillo
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Sócio da Prevent Senior Eduardo Parrillo
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Médico que fez estudo com proxalutamida, Flávio Cadegiani
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Precisa Comercialização de Medicamentos Ltda
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VTC Operadora Logística Ltda – VTCLog
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Fonte: Agência Senado
25/10/2021
As investigações da CPI da Pandemia se depararam com fatos que podem caracterizar 29 crimes diferentes, que estão indicados no relatório final da comissão, apresentado pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL) na semana passada. De acordo com o texto, o presidente Jair Bolsonaro pode ter cometido nove tipos diferentes de crimes. Mas antes de o documento ser entregue às instituições que poderão dar sequência às apurações e, eventualmente, promover a responsabilização dos acusados, ele precisa ser aprovado pela CPI. A votação está marcada para esta terça-feira (26).
O relatório teve como referência, entre outras fontes, o trabalho de uma comissão de juristas, que fez a ligação entre o que foi descoberto nas quebras de sigilo e nos depoimentos com a legislação penal (tanto a nacional como a internacional). Por estarem relacionadas a leis diferentes, nem todas as denúncias do relatório final da CPI serão remetidos às mesmas autoridades, inclusive porque podem ser julgadas por diferentes colegiados, como o Supremo Tribunal Federal (STF), o Tribunal Penal Internacional e até o próprio Senado Federal.
Para entender melhor quais são esses delitos e como eles podem ir a julgamento, a Agência Senado — com a ajuda do consultor legislativo do Senado Arlindo Fernandes, especialista em direito constitucional — classificou os crimes listados no relatório de Renan em três grupos: crimes comuns, crimes de responsabilidade e crimes contra a humanidade.
Crimes comuns
São aqueles previstos no Código Penal (CP). Perfazem a maior quantidade de crimes identificados no relatório de Renan, que teriam sido cometidos tanto pelo presidente Jair Bolsonaro como por outras 65 pessoas indicadas no documento.
O mais grave deles é o crime de epidemia (art. 267 do CP), que tem pena prevista de 10 a 15 anos de prisão. O relatório destaca que o delito, nesse caso, teve mortes como consequência, o que pode levar à aplicação da pena em dobro. Se ainda for demonstrado que houve dolo (ou seja, que houve intenção por parte de quem o cometeu), o crime será considerado hediondo — e, assim, não poderia haver indulto, anistia, liberdade provisória ou mesmo fiança.
Outro crime citado no relatório é o de charlatanismo (art. 283 do CP), que é caracterizado por prometer ou incentivar a cura de doenças com remédios ou fórmulas sem respaldo científico. A pena prevista nesse é de detenção de três meses a um ano, além de multa.
Também está apontada no documento a infração de medida sanitária preventiva (art. 268 do CP), que é caracterizada quando se desrespeita determinação do poder público “destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”. A pena é de detenção de um mês a um ano, além de multa.
Outros crimes comuns elencados pela CPI:
- falsidade ideológica (art. 299 do CP): ocorre quando se omite ou se inclui declaração falsa em documento. A pena prevista é de até cinco anos de reclusão e multa, em caso de a falsidade ocorrer em documento público, e de até três anos, nos documentos particulares.
- corrupção ativa (art. 333 do CP): ocorre quando alguém “oferece ou promete vantagem indevida a funcionário público”. A pena é de reclusão e varia de dois a doze anos de reclusão, além de multa.
- incitação ao crime (art. 286 do CP): quando se estimula pessoas publicamente a cometer crimes. A pena é de detenção de três a seis meses ou multa.
- falsificação de documento particular (art. 298 do CP): o crime teria sido praticado por consultor do Tribunal de Contas da União (TCU), que produziu um estudo que foi divulgado por Bolsonaro como se fosse um documento oficial desse órgão. A pena nesse caso é de um a cinco anos de prisão, além de multa;
- emprego irregular de verbas públicas (art. 315 do CP): quando há aplicação de recursos do orçamento público em ações diferentes do que estava determinado pelas leis orçamentárias. A pena é de detenção de um a três meses ou multa;
- prevaricação (art. 319 do CP): quando um funcionário público não cumpre sua obrigação ou se omite de cumpri-la. A pena é de detenção de três meses a um ano, além de multa.
Crimes contra a humanidade
Os crimes contra a humanidade são ataques generalizados a qualquer segmento da população civil, com uso de armamento ou não. Esse conceito vem do direito penal de guerra e faz parte do Estatuto de Roma, que criou o Tribunal Penal Internacional (TPI), que funciona em Haia, na Holanda. Ele teve origem na Comissão de Direito Internacional da Organização das Nações Unidas (ONU) e já foi assinado e ratificado por 122 países, inclusive o Brasil, que incluiu o texto no seu ordenamento jurídico em 2002 (por meio do Decreto 4.399, de 2002).
De acordo com o estatuto, os crimes contra a humanidade são divididos em modalidades, como homicídio, escravidão, extermínio, deportação ou transferência forçada de população, agressão sexual, desaparecimento forçado de pessoas, perseguição e tortura, entre outros.
O relatório final da CPI sugere o indiciamento de Bolsonaro por crimes contra a humanidade por: extermínio (art. 7º, parágrafo 1, b); perseguição (art. 7º, parágrafo 1, h); e atos desumanos para causar sofrimento intencional (art. 7º, parágrafo 1, k).
Segundo o Estatuto de Roma, “extermínio compreende a sujeição intencional a condições de vida, tais como a privação do acesso a alimentos ou medicamentos, com vista a causar a destruição de uma parte da população”. Já por perseguição entende-se a privação intencional e grave de direitos fundamentais em violação do direito internacional, por motivos relacionados com a identidade do grupo ou da coletividade em causa.
A pena para esses crimes depende da gravidade e pode ir até a prisão perpétua e a perda dos bens do condenado.
Durante os debates no Senado que levaram à aprovação, em junho de 2002, do projeto de decreto legislativo que ratificou o Estatuto de Roma, o então senador Roberto Saturnino disse que a criação do Tribunal Penal Internacional era um “marco na evolução da humanidade”. Ele ressaltou que, até então, eram aceitas no mundo práticas como a escravidão e a tortura, atualmente repudiadas pela comunidade internacional.
O então senador José Fogaça afirmou que o julgamento, na Europa, do ex-presidente chileno Augusto Pinochet poderia ter sido feito naquele tribunal, caso ele já estivesse em funcionamento. Fogaça destacou na ocasião que “direitos humanos não são apenas questão de ordem interna dos países; são uma questão da humanidade”.
Crimes de Responsabilidade
De acordo com o relatório de Renan Calheiros, o presidente Jair Bolsonaro — assim como outros integrantes do governo federal — incorreu em crime de responsabilidade por violar direitos sociais e por agir de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo. O crime, previsto na Lei nº 1.079, de 1950, prevê a perda do cargo e a suspensão dos direitos políticos.
Para chegar a essa conclusão, Renan baseou-se no parecer da comissão de juristas liderada pelo advogado Miguel Reale Júnior e pela ex-juíza do Tribunal Penal Internacional Sylvia Steiner. Para a comissão, os membros do governo federal agiram de forma contrária ao que estabeleciam as medidas propostas pela comunidade científica nacional e internacional.
No parecer que apresentaram à CPI em setembro, esses juristas afirmam que “o presidente da República desrespeitou o direito à vida e à saúde de número indeterminado de pessoas, por via de atos comissivos, ao promover aglomerações, ao se apresentar junto a populares sem máscara; ao pretender que proibições de reuniões em templos por via de autoridades fossem revogadas judicialmente; ao incitar a invasão de hospitais, pondo em risco doentes, médicos, enfermeiros e os próprios invasores; ao incentivar repetidamente a população a fazer uso da cloroquina, dada como infalível, hidroxicloroquina e ivermectina, medicamentos sem eficácia comprovada [contra a covid-19] e com graves efeitos colaterais; ao recusar e criticar o isolamento social e as autoridades que o impõe; ao sugerir que a vacina poderia transformar a pessoa em jacaré, desencorajando a população a se vacinar; ao postergar a compra de vacinas; ao ridicularizar os doentes com falta de respiração; ao ter descaso em face da situação trágica de Manaus no início deste ano, dando causa a trágica dizimação”.
Segundo eles, o presidente também deixou de cumprir com o seu dever de assumir a coordenação do combate à pandemia, sendo que, pela Constituição, uma de suas obrigações é proteger a saúde dos brasileiros.
Próximos passos
Qualquer que seja seu conteúdo final, o relatório da CPI precisa ser encaminhado para autoridades responsáveis por mais investigações e pela apresentação de denúncias ao Judiciário. São esses órgãos que podem indiciar o presidente e os demais acusados.
Entre esses órgãos, o principal é a Procuradoria-Geral da República (PGR), que tem a competência exclusiva de apresentar denúncia contra o presidente da República por crimes comuns. Caso a PGR decida acusar o presidente, a denúncia será submetida à Câmara dos Deputados — e, se for aprovada, seguirá para julgamento no STF.
No caso dos crimes de responsabilidade, o relatório da CPI deve ser enviado ao presidente da Câmara, Arthur Lira, a quem cabe decidir sobre a abertura de processo de impeachment. Depois de passar por uma comissão especial, a denúncia segue para votação no Plenário da Câmara. Em seguida, vai a julgamento no Senado.
Se a Câmara aceitar uma denúncia, seja por crime comum ou de responsabilidade, o presidente da República é suspenso por 180 dias e, no seu lugar, assume o vice-presidente.
O Tribunal Penal Internacional também deverá receber o relatório da CPI para apuração e eventual julgamento de possíveis crimes contra a humanidade. Renan Calheiros anunciou que fará uma representação formal ao órgão.
O consultor legislativo do Senado Arlindo Fernandes ressalta que também há, no relatório de Renan, indicações de atos de improbidade administrativa — que não são crimes, mas infrações civis — que teriam sido cometidos por diversos agentes públicos durante a pandemia. Caso uma autoridade seja condenada, pode ficar inelegível nos termos da Lei de Inelegibilidade e da Lei da Ficha Limpa.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
Fonte: Agência Senado
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